Neste momento, até dia 16 de agosto, encontra-se aberta no site da prefeitura a segunda consulta pública sobre o novo Projeto de Intervenção Urbana (PIU) para o setor central da cidade. O projeto envolve a necessária revisão da Operação Urbana Centro, lei promulgada no ano de 1997 cuja adequação ao marco regulatório consolidado pelo Estatuto da Cidade em 2001 já era esperada desde o último plano diretor (Lei 16.050/2014).
O projeto encaminhado para a consulta pública pela prefeitura, porém, além de apresentar um grande número de novos instrumentos e setorizações ainda não vistos em nenhum outro plano ou lei, quadruplica o perímetro de abrangência da Operação Urbana Centro em vigor. Essa nova grande área por sua vez subdividida em três novos perímetros a serem viabilizados por 3 instrumentos urbanísticos distintos: Operação Urbana (que não sabemos se será ou não consorciada), Áreas de Estruturação Locais - AELs (sobre os perímetros de ZEIS 3) e Área de Intervenção Urbana - AIUs (no vetor sul do Arco-Tietê). E é sobre este tema que o presente texto pretende se ater.
O novo perímetro, além de incluir os distritos que compõe os conhecidos Centro Novo e Centro Velho (Sé, República e Brás), se estende principalmente a norte para os distritos de Santa Cecília, Bom Retiro, Pari, Belém e porções menores da Mooca e da Liberdade, todas áreas com características muitos distintas dos distritos que compõem atualmente o perímetro da atual Operação Urbana Centro, sobretudo no que se refere a densidade, verticalização e uso do solo. Esta nova área salta de 663 hectares para 2.098 ha, tornando-se o maior perímetro de exceção da cidade, uma área que não parece ter fim e que trará novas diretrizes de uso e ocupação do solo, distintas daquelas arduamente pactuadas com a sociedade durante a elaboração do Plano Diretor Municipal (2014) e da Lei de Zoneamento (2016). Destes 2.098 ha, 1.485 ha estão contidos no antigo Arco Tietê, uma das bandeiras da gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (2013-2016) para transformação das orlas do rio Tietê que, até então, permanece engavetada pela gestão dos prefeitos João Dória e Bruno Covas.
A justificativa movida para defender este novo perímetro se baseia em três pontos: (1) adensar a região central, aproximando moradia de empregos, (2) criar novas áreas passíveis de transformação e (3) aumentar a atratividade para o mercado. A própria prefeitura, porém, no documento disponível na consulta aberta, responde a estas questões da seguinte maneira: “a área para transformação disponível, somada aos domicílios vagos, é muito superior ao que é demandado para se atingir a densidade meta do projeto”. Em outras palavras, ela mesmo admite que a área é muito superior àquela necessária para atingir o adensamento populacional desejado. Ao mesmo tempo ela admite que o mercado precisaria de aproximadamente um século para consumir toda a área que este plano coloca a disposição para transformação. Podemos dizer, então, junto à prefeitura, que a área desta operação é demasiadamente grande para os objetivos que ela pretende cumprir?
Este excedente em área, para além de uma mera margem de manobra, tende a reduzir a efetividade do plano medida pela “capacidade de indução” que os planos tem para nortear as transformações da cidade. Se entendermos que a área central da cidade é um território complexo, com grande número de demandas e problemas sócio-espaciais específicos, flexibilizar o seu perímetro diluiria o poder de atuação da prefeitura naquilo que a operação deveria focar. Desta ampla complexidade, podemos destacar: o grande número de imóveis vazios, subutilizados e não edificados; a população em situação de vulnerabilidade social; a variedade de imóveis em situação habitacional precária; a concentração de espaços públicos, equipamentos e imóveis tombados que demandam cuidados; e a grande variedade de tipologias e ruas comerciais que precisam de um desenho urbano específico.
É um consenso entre urbanistas e economistas que um projeto de intervenção urbana como este deve a priori equilibrar dois lados da balança: de um lado a arrecadação, viabilizada principalmente pela venda de metros quadrados construíveis, e por outro lado os gastos com as obras a serem realizadas. Em apresentação realizada no dia 10 de junho sobre a modelagem econômica do PIU Setor Central, a prefeitura apresentou uma estimativa de arrecadação de 950 milhões de reais via Outorga Onerosa do Direito de Construir nos próximos 20 anos . Na mesma apresentação ela elencou um programa de obras com estimativa de gastos de aproximadamente 1.6 bilhões de reais, incluindo gastos com mobilidade ativa, melhoramentos viários, áreas verdes e drenagem, mas sem contar gastos com a produção de habitação de interesse social. Portanto uma estimativa de gastos quase duas vezes maior do que a estimativa de arrecadação.
No atual desenho do PIU Setor Central o projeto surge com as contas desajustadas, caminhando para mais um grande projeto que não conclui aquilo que se propõe a realizar. Muitas perguntas são colocadas a partir da proposta apresentada: Há demanda do mercado para essa nova frente imobiliária proposta? O atual Plano Diretor não estaria sendo excessivamente flexibilizado? Não seria o caso de rever o perímetro, focando nas demandas prioritárias da área central da cidade?
Afinal, já temos instrumentos e regras de sobra na política urbana municipal que não estão sendo aplicados, como o desenvolvimento de uma política habitacional para os imóveis demarcados com o Parcelamento, Edificação e Utilização Compulsórios (PEUC), o Consórcio Imobiliário, os Planos de Urbanização de ZEIS e, sobretudo, as diretrizes do Plano Municipal de Habitação, que há mais de dois anos aguarda sua avaliação e aprovação pela Câmara Municipal.
Texto de Guido Otero e Simone Gatti - Representantes do Instituto de Arquitetos do Brasil - Departamento de São Paulo na Operação Urbana Centro